Elemento estruturante da sociedade e central na vida do homem, o trabalho é um dos principais instrumentos de relacionamento entre o sujeito e seu meio social, um processo criativo e construtivo por meio do qual o sujeito se desenvolve e se reafirma1.
No entanto, o trabalho não está isento de contradições. Enriquez2 observa que a produção, principal fonte de sustentação da sociedade capitalista, tem sufocado as possibilidades de criação e que a alienação nunca foi tão intensa. O autor afirma que o “culto à performance e à urgência está reinando, os coletivos estão se rompendo, o estresse profissional e até mesmo o assédio se tornam uma realidade cotidiana” (p. 172).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)3 apresenta um cenário preocupante no que se refere à relação entre trabalho e saúde. Segundo relatório por ela publicado em 2013, estima-se que cerca de 2,34 milhões de pessoas morrem todos os anos em decorrência de acidentes e doenças relacionadas com o trabalho. O documento destaca ainda que, embora tenham diminuído em virtude de uma melhor regulamentação e dos avanços tecnológicos, alguns riscos tradicionais ainda estão presentes nos contextos laborais e convivem com novos riscos (dentre os quais se destacam os psicossociais), suscitados pelas novas tecnologias e formas de organização voltadas para o aumento da produtividade.
A exigência do cumprimento de metas, resultados e indicadores dissociada da oferta de condições de trabalho adequadas é cada vez mais comum nas organizações privadas e públicas, inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS). Nada mais atual do que a observação de Mehry4, que observa que um dos pontos mais problemáticos no SUS é o modo como são estruturados e gerenciados os processos de trabalho nos diferentes estabelecimentos que ofertam serviços de saúde, como por exemplo no setor de zoonoses.
A incidência de zoonoses permanece alta em quase todos os países em desenvolvimento, inclusive no Brasil. O agente de combate às endemias (ACE) é um dos principais atores no enfrentamento dessas doenças. Esse profissional exerce ações de vigilância, prevenção, controle de doenças e promoção da saúde, tendo como cenário de intervenção o ambiente em que as pessoas residem. Ele está sujeito a todas as questões do cotidiano das comunidades, como a violência e situações de vulnerabilidade, ficando exposto a muitos riscos, inclusive psicossociais5.
Oliveira6 destaca que a organização das ações de controle de endemias apresenta forte tendência à gestão verticalizada, com estabelecimento de metas objetivas e quantificáveis. Além disso, atualmente as novas doenças associadas ao Aedes aegypti são um dos maiores desafios das autoridades sanitárias, o que intensifica as ações e gera maior expectativa em relação ao desempenho do serviço de zoonoses.
O controle de endemias é objeto de discussões permanentes na mídia e nos serviços de saúde, já que as zoonoses estão entre os mais frequentes riscos à população, o que contrasta com a invisibilidade do ACE no seu contexto de trabalho. Apesar de sua importância no enfrentamento das novas e velhas doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, os estudos que abordam as condições de vida e saúde destes profissionais são incipientes6. As ações em prol da saúde destes trabalhadores têm se resumido à dosagem da atividade da colinesterase sérica e à obrigatoriedade – nem sempre atendida pelos municípios –de a instituição empregadora fornecer equipamentos de proteção individual.
O objetivo desta pesquisa foi identificar e compreender a percepção dos ACE sobre o seu contexto de trabalho, com enfoque na relação entre trabalho e saúde, no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde
de Belo Horizonte (SMSA/BH).
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